A noite de 23 de
Novembro de 1925 já ia adiantada, o relógio marcava vinte e duas horas, triste
momento em, que Maria Thomazia de Abreu Machado Antas falecia, aos sessenta e
quatro anos de idade, serena e sem maiores sofrimentos, como normalmente
acontece às pessoas de bem, aquelas que cumprem os seus deveres para com a
família, para com os amigos e para com a humanidade em geral.
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O seu passamento
pode ter surpreendido a todos, mas esse evento doloroso se deu quando, já fazia
quatro dias, a virtuosa dama vinha repousando por recomendação médica, em
virtude de um súbito enfraquecimento, inclusive com dificuldade de locomoção.
Maria Thomazia
cerrou os olhos físicos, que na vida terrena só enxergavam as coisas boas, para
abrir os da alma na eternidade, onde apenas se veem amor, bondade e justiça.
Exatamente ela que era bondosa e justa, não admitindo, sob hipótese alguma, que
se tocasse na vida de ninguém, pois queria a felicidade de todos, fosse de sua
relação pessoal ou não.
Com a sua maneira de
ser e proceder, Maria Thomazia engrandeceu e dignificou a espécie humana,
revigorando a esperança que a Suprema Bondade tem nas suas criaturas.
Dir-se-ia, portanto, que ela findou seus dias aqui na Terra com a beatitude dos
puros.
Desenlace
inesperado, separação física que só não foi mais pranteada porque, acima de
tudo, o sentido esposo, Luiz de Mattos, a dileta filha, Maria Júlia de Mattos
do Nascimento Cottas, o digno genro, Antônio do Nascimento Cottas, assim como
os amigos mais próximos da família foram conformados com a certeza de que o
desaparecimento físico daquele ente tão querido não significava o fim de uma
existência virtuosa, mas o reinício da verdadeira vida – a espiritual, de
vivência eterna.
Todos, apesar das
lágrimas derramadas e da dor sofrida pela perda pessoal, sabiam que o tombar do
corpo físico e o altear do espírito, uma vez que este ascende a seu mundo de
luz, onde continua “ad aeternum”, deixando na Terra, principalmente a extinta,
que se sublimou no cumprimento de seus deveres – apenas o vestígio de uma
existência exemplar, lembrança saudosa que não se apaga.
Os restos mortais
dessa esplendente existência foram sepultados no Cemitério de São Francisco
Xavier, no Rio de Janeiro, enquanto o espírito que a animou ascendeu sereno e
reverberante ao mundo de sua categoria espiritual.
Com efeito, Maria
Thomazia, ao passar por este planeta, deixou rastros luminoso, exemplos
edificantes, porquanto evolou-se às alturas de sua espiritualidade, para lá –
na unidade dos bons – conviver com os justos, entidades espirituais de
sentimentos iguais aos seus, de compreensão idêntica à sua.
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Ela era filha de
Agostinho de Abreu Machado Antas, general reformado do exército português, e de
Maria da conceição Lopes, natural de Bragança, cidade portuguesa formada de
parte da antiga província de Trás-os-Montes, ninho de almas grandemente
evoluídas, como as de Luiz de Mattos, Manoel lavrador, Victorino de Mattos,
Matilde de Mattos, Antônio Cottas, Miguel Cottas, Maria da Conceição Cottas,
João Baptista Cottas, Laurinda Cottas Gomes, Delfina Cottas, entre outras, com
as quais ela se identificava na formação moral e no caráter ético.
Maria Thomazia
adotou os bons costumes e as boas maneiras dos transmontanos, ornando a sua
personalidade com os hábitos e os bons costumes dessa gente altaneira.
Com a força telúrica
da terra em que nasceu, Maria Thomazia palmilhou o caminho que a vida lhe
traçara (de maneira compartilhada por ela mesma, ainda em seu mundo
espiritual), aprumada sempre como as cordilheiras de sua província, com o porte
altivo das Serras da nogueira e com a elevação das Montanhas dos Bornes de
Montesinhos.
Na vida conjugal,
Maria Thomazia fora extremada na dedicação familiar. Sempre fiel ao ideário
espiritualista de seu marido, amparou-o nos momentos mais difíceis, não lhe
faltando com a sua prestimosa e eficiente colaboração, seja na educação de sua
filha Maria Cottas, na dos enteados Leonor e Catulo, ou na dos sobrinhos de
Luiz de Mattos.
Na implantação da
doutrina racionalista cristã, ela não foi menos prestimosa, tendo atuação
marcante na lida doutrinária, tanto como eficiente diretora-bibliotecária da
Casa-Chefe quanto por sua excelência mediúnica.
Dignificou a família
com inteligência e honradez pessoal, elevou-a à altura do apreço que seu
venerado esposo tinha por essa instituição social, em que a tônica predominante
deve ser o exercício da tolerância; a nota marcante, a educação da prole e a
sublimação espiritual.
Foi,
induvidosamente, um exemplo feminino vigoroso para a sociedade que se compraz
com a decência, com os bons costumes e, também, por ter dado o melhor de si
para o progresso moral e cultural da terra que lhe serviu de túmulo.
A essa grandiosa
alma, o penhor da gratidão de todos os racionalistas cristãos que se prezam
como tais, pois sendo ela consorte de Luiz de Mattos, codificador de tão
promissora Doutrina, com ele esteve sempre solidária, assim na alegria como na
tristeza.
Dotada de cultura
geral, com excelentes conhecimentos do vernáculo, assim como da língua
francesa, e como médium honesto, transmitiu maravilhosas doutrinações, sempre
ricas em ensinamentos morais, pois vocalizava de maneira sensível as intuições
do Astral Superior, expressando-as com docilidade e lealdade, como o fazem os
autênticos instrumentos mediúnicos, aqueles que se devotam realmente a essa
interessantíssima intermediação espiritual.
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Maria Thomazia tinha
mãos de fada para o artesanato, pintava e confeccionava flores, em cujas artes
era primorosa. Dizem que as flores feitas por suas mãos confundiam com as
naturais, tal a perfeição com que ela reproduzia as espécies vivas.
A profundidade de
seus conhecimentos da língua de Camões lhe valeu um prêmio de grande
significância, expressão de reconhecimento do Real Gabinete Português de
leitura, do Rio de Janeiro.
Num desses momentos
em que a lembrança aflora saudosa e grata, o Dr. João Baptista Cottas recordou
que Maria Thomazia teve participação positiva na sua formação cultural e
profissional.
Esse saudoso médico
(irmão de António Cottas) relembrou certa vez que, quando se preparava para os
exames de admissão ao tradicional Colégio Pedro II, Maria Thomazia se
prontificou a dar-lhe algumas aulas de português. E que, nesse ministério
linguístico, ela o mandava estudar gramática, copiar textos e fazer
composições. Recordou, ainda que, numa dessas aulas, ordenou que ele conjugasse
um verbo, mas ao fazê-lo confundiu tudo. Então, ela – apesar de bondosa e amiga
– puxou-lhe levemente as orelhas, determinando-lhe copiar, por vinte vezes o
verbo que não conseguira conjugar.
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O certo é,
entretanto, que ele, submetendo-se aos exames de admissão, para os quais Maria
Thomazia o ajudara a preparar-se foi aprovado plenamente, iniciando-se assim na
trilha cultural que o levaria à medicina, profissão liberal que ele exerceu com
dedicação e humanidade, por longos anos.
Dias depois, João
Baptista apresentou-se à saudosa professora, já com o uniforme do Colégio Pedro
II, instituição de ensino público onde era difícil ingressar. E Maria Thomazia,
ao revê-lo, abraçou-o beijou-o e com alegria fez-lhe a seguinte recomendação:
- Agora, procura
honrar esse uniforme, assim como o nome desse homem que na Terra se chamou
Pedro II.
Dizem que a maior
satisfação de Maria Thomazia era saber que os de sua convivência estavam
alegres, desejando-lhes a mesma ventura que ela tinha na vida.
A ela, por sua
formação católica, inclusive com tendência para a vida monástica, já quase
freira, seria difícil desvencilhar-se desse costume. E, no entanto, não o foi,
pois de boa vontade dispôs-se a estudar a vida fora da matéria, dedicando-se de
corpo e alma ao Racionalismo Cristão. Contou para isso com a boa vontade e o
desprendimento dos dois Luízes, o de Mattos e o Thomaz, figuras humanas de
escol, que fundaram a Doutrina e a ela se dedicaram com admirável e inigualável
abnegação.
Na implantação dessa
doutrina, que é “racionalista”, porque se firma e prima pelo raciocínio,
embasando-se nas leis naturais e imutáveis que regem o Universo, e, com a
palavra “cristão”, que completa o sentido revelador da Doutrina – um código de
conduta que reúne princípios espiritualistas e preceitos do cristianismo –
Maria Thomazia serviu ao Astral Superior como virtuoso instrumento mediúnico,
sendo a mulher mais nova a dedicar-se a esse mister. Ingressou na Doutrina
quando ainda era moça e não saiu mais, cumprindo fielmente os seus deveres para
com ela, mercê de uma dedicação que muito ajudou eu marido na implantação do
Racionalismo Cristão.
Com senso de
responsabilidade muito aguçado, Maria Thomazia foi um instrumento sempre
presente, seja na Casa Berço ou na Casa-Chefe, e se desta se ausentava,
faltando a algumas sessões, o fazia por motivo de viagem a Santos. Era uma
servidora altamente disciplinada, inconfundível mesmo.
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De vida intensa, só
deixou de trabalhar após desvincular-se do corpo físico, mas continuou no labor
astral, no Espaço Superior, submetendo-se, também, ao ingente sacrifício de vir
à Terra em funções doutrinárias, inclusive como presidente Astral da
Casa-Berço, sucessora que fora de Mont’Alverne, quando este espírito ascendeu a
plano astral mais elevado. A essa obrigação o espírito de Maria Thomazia se
dedicou até o falecimento de Luiz Thomaz, que assumiu a presidência astral da
Casa Racionalista Cristã de Santos.
Assim são, e
continuarão a serem, os autênticos racionalistas cristãos, que trabalham,
incansavelmente, pelo progresso espiritual da humanidade, neste e no outro
mundo.
Com essas
considerações, feitas em memória de Maria Thomázia, a certeza de que a desencarnação,
desdobramento natural da própria vida, mesmo sendo dolorida e chorada, não é o
mal maior que pode acontecer às pessoas em sua passagem por este mundo, cuja
finalidade é a evolução espiritual.
Maria Thomazia
Por
Galdino Rodrigues de Andrade